quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Entrevista com Candidata à Presidência: Marina Silva






Cristianismo Hoje ©


Possível candidata à Presidência em 2010, a evangélica Marina Silva movimenta a sucessão com bandeiras como ética, sustentabilidade e respeito à diversidade


Quem espera encontrar em Marina Silva ingenuidade política e meras palavras de ordem de uma militante ambientalista vai se surpreender. Sua principal bandeira, a do desenvolvimento sustentável, já se mostra capaz de articular-se com amplos setores da sociedade, mudando os rumos do debate em torno da sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A senadora pelo Acre, que se filiou ao PV em agosto, desponta como candidata a presidente e promete não fazer apenas figuração nas eleições do ano que vem. "Quero preservar as utopias", disse Marina, de 51 anos, ao filiar-se ao novo partido. Antenada com os esforços mundiais para frear o aquecimento global, ela afirma que estamos em uma "esquina civilizatória", na qual todo o planeta precisará repensar seu modo de crescimento e consumo.
Casada, mãe de quatro filhos, Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima tem o dom de surpreender. Quem poderia dizer que a cabocla acreana, filha de seringueiro, que só aprendeu a ler aos 16 anos, pudesse se tornar a senadora mais jovem da história, eleita pela primeira vez aos 36 anos, em 1994? Formada em história pela Universidade Federal do Acre, ela não parou de estudar, tendo feito vários cursos. Atualmente, com uma agenda superlotada, ainda encontra tempo para uma pós-graduação em psicopedagogia. Herdeira política do líder seringueiro Chico Mendes (1944-1988), Marina foi ministra do Meio Ambiente entre 2003 e 2008, quando, após esgotar os esforços para fazer da política ambiental uma prioridade no governo Lula, preferiu voltar ao Senado. Sua saída teve grande repercussão na imprensa internacional.
O impacto provocado por sua desfiliação do PT também não foi pequeno. Mas pareceu o caminho natural de Marina, que une sua voz frágil à firmeza de suas convicções. Em 2007, foi escolhida pelo jornal britânico The Guardian como uma das 50 pessoas em condições de ajudar a salvar o planeta. Sua lista de premiações é longa. Dentre muitos outros, ela recebeu o prêmio 2007 Champions of the Earth, o maior das Nações Unidas na área ambiental. A aparente fragilidade física – ela foi vítima de muitas malárias e de hepatites, além de ter sofrido com a contaminação por metais pesados – desafia o fôlego de quem queira acompanhar seu ritmo de trabalho, que entra pela madrugada.
Formada políticamente pelas Comunidades Eclesiais de Base, Marina não renega o que aprendeu, mas confessa com clareza sua fé evangélica. Desde 1997, congrega na igreja Assembleia de Deus, em Brasília. Ela procura preservar sua vida devocional da curiosidade alheia, evitando também o uso político de sua fé. Nesta entrevista, concedida com exclusividade a CRISTIANISMO HOJE, a senadora, em raro momento, se permitiu falar de sua conversão e de sua vida cristã.



CRISTIANISMO HOJE – Como foi sua conversão à fé evangélica?

MARINA SILVA – A gente sempre tem a chance de se tornar cada vez mais dependente de Deus pelo amor que ele tem para conosco. Mas a maioria de nós busca esse amparo e segurança no momento de dor. E comigo não foi diferente. Eu me converti em 1997, numa situação de problema de saúde muito grave. Meu médico, o doutor Eduardo Gomes, após uma batalha comigo por muito tempo, me mandou para o Massachussetts General Hospital, nos Estados Unidos. Fiquei lá quase um mês, fiz uma série de exames, e o diagnóstico confirmou a contaminação por metais pesados. Não era mercúrio, era antimônio, que gerava problemas semelhantes. Só que o medicamento que poderia ajudar a combater a contaminação por antimônio não estava liberado ainda pela FDA [Food and Drug Administration, órgão do governo americano que regulamenta o setor farmacêutico]. E eles não aplicariam o remédio nem com minha autorização, devido ao risco de desencadear um choque anafilático ou uma hepatite medicamentosa grave – e eu já tinha tido três hepatites e cinco malárias. Na época, meus rins eram muito sobrecarregados e eles disseram que o remédio poderia também levar a uma sobrecarga e fazer uma paralisação renal. Então esqueci esse remédio. Voltei ao Brasil muito triste. Fui à nova consulta, muito mais para chorar minhas pitangas, e meu médico até brincou, dizendo "senadora, a senhora não precisa de médico, precisa de um milagre". Fui então apresentada a um grupo de oração. E me converti, me batizei e passei a ter uma relação de muita proximidade com a Palavra, de muito recolhimento e muita oração. Foram experiências muito profundas.


E como ficou a saúde?
Depois de dois anos – e toda quinta-feira eu ia para o círculo de oração –, em um momento de oração pelos enfermos, eu estava na fila e me vieram à lembrança as letras "DMSA". Na hora, não me ative. Mas depois me dei conta que era o tal remédio e pensei: vou tomá-lo. Liguei para o doutor Eduardo e perguntei se poderia tomar o remédio caso eu me comprometesse. E conseguimos, veio o remédio. Tomei a primeira dose, não aconteceu nada… Tomei a segunda e nada e, no terceiro mês, tomei a última. Seis meses depois eu fiz um teste de sangue que finalmente mostrou níveis de contaminação mais baixos do que o limite tolerado pela Organização Mundial de Saúde. Então, eu fui atrás da bênção de Deus e encontrei o Deus da bênção. Talvez, se eu tivesse encontrado primeiro a bênção, tivesse desistido de Deus. Mas ele sabiamente se deu primeiro a mim, e depois veio a bênção. E foi um milagre! Para mim, era um milagre, porque a maior dificuldade era remover aquela montanha do medo, da insegurança por tomar um remédio sobre o qual os médicos não se responsabilizavam. Então essa montanha foi removida pela fé e pela graça de Deus. E a ciência removeu a outra, que foi a do antimônio, que já estava impregnado nos meus tecidos.


Como se dá hoje sua vida devocional?
Se estiver em Brasília, nos finais de semana eu vou à igreja Assembleia de Deus. Ultimamente, as viagens são muitas. Mas também, durante a noite, eu sou convidada pelas igrejas Brasil afora. Então me sinto congregando intinerantemente. E, obviamente, leio a Palavra, faço minhas orações.


No cenário político nacional, cada vez que alguém se diz evangélico, vem uma chuva de perguntas sobre temas como aborto, eutanásia, homossexualidade, criacionismo. Como a senhora lida com isso?
Fui católica durante muito tempo, e desde 1997 me converti à fé cristã evangélica. Muitos dos fundamentos que tenho, sobretudo os valores éticos na política, eu os trago da minha experiência espiritual primeira, da teologia da libertação, que foram essenciais na minha formação política. Agora, como evangélico, a sua experiência com Deus, a sua intimidade com ele, não pode ser diferente da vivenciada por Jesus Cristo. Ele sabia fazer as mediações corretas. Havia momentos em que ele se recolhia com seus discípulos, ia para o Monte das Oliveiras, ia para algum lugar para viver aquela experiência, mesmo que fosse dentro de um barco isolado. E tinha momentos que ele se colocava para a sociedade, preservando os mesmos princípios, os mesmos valores – mas sendo muito cuidadoso em respeitar as outras pessoas, que não professavam as mesmas crenças, que não tinham a mesma visão. Ele até confrontava a tradição de que você tinha de estar sempre com seus iguais. E procurava estar com os diferentes, e bastante diferentes: publicanos, estrangeiros… E o tempo todo Jesus tinha uma abordagem também muito respeitosa dessas diferenças. Acho que a melhor forma de viver a espiritualidade é seguindo esse exemplo. Jesus tinha uma atitude respeitosa também em relação ao Estado. Em nenhum momento ele quis tomá-lo de assalto ou criar um Estado paralelo. Ele soube muito bem separar as coisas. E quando ele era confrontado, pelos receios políticos que se tinha da sua fé e da sua liderança, do seu ministério, ele dizia que seu reino não era deste mundo. Então, um reino que é de outro mundo fica mais difícil de combater… E fica também mais difícil de temer, sobretudo por aqueles que não acreditam.


É possível manter a ortodoxia evangélica no contexto de Estado laico?
O Estado laico não é crente, nem ateu, nem agnóstico. É o Estado laico que assegura que eu tenha uma fé e que, em função da minha fé, eu não venha sofrer nenhum tipo de sanção. Que eu possa vivê-la nos diferentes espaços: no meu trabalho, na minha casa, no mundo. O Estado laico não é só para proteger os não-crentes dos crentes, é também para proteger os crentes dos não-crentes e possibilitar que ambos sejam protegidos no espaço em que a alteridade possa ser realizada e vivenciada, sem que isso signifique que você tenha que viver uma "dupla personalidade". As pessoas querem que você diga que a sua fé não tem nenhuma consequência. Obviamente tem. Mas, como diz a Bíblia, não é por força nem por violência que se convence as pessoas.


Existe ética na política?
Bem, se não existisse ética na política com certeza eu já teria desistido [da política] há muito tempo. Eu acho que a falta de ética está em todos os lugares, e a ética também está em todos os lugares – ou estaríamos contradizendo a ideia de que o trigo nasce junto com o joio. E esse joio da falta de ética talvez nasça mais em alguns lugares porque parece que a terra é mais fértil. Mas o joio, de uma forma muito disfarçada, nasce em todos os lugares, inclusive dentro das igrejas. A Bíblia fala com muita sabedoria: aquele que pensa que está de pé, tenha cuidado para que não caia. É uma luta de todos os dias, de todos os momentos, de todos os instantes, porque ninguém é perfeito. Ninguém pode evocar-se como dono da ética, da moral, da verdade… Mesmo Jesus teve que conviver com os antiéticos – obviamente sem fazer alianças com eles…


A senhora gosta de citar Santo Agostinho. Ele é seu autor preferido?
Eu, de fato, gosto muito das coisas do Santo Agostinho. Acho que ele deu uma fundamentação muito significativa para o pensamento moderno, por incrível que pareça. Tudo o que ele foi capaz de fazer, integrando parte da filosofia grega com o cristianismo, deu uma contribuição muito relevante, inclusive para a avanço da própria ciência, da civilização ocidental. Não consigo imaginar como seriam as coisas sem essas contribuições. Sou, digamos assim, uma apaixonada pela psicanálise. E para mim foi muito encantador verificar que, antes de Sigmund Freud, Santo Agostinho já esboçava algumas coisas muito interessantes sobre a questão da libido e sobre o inconsciente – ele dizia que atrás da memória lembrada existia uma memória não lembrada, e que parece que é ela que nos dirige. Isso, em Freud, ganha o nome de inconsciente. E Santo Agostinho falava disso, mas falava também de uma outra memória não lembrada, que é o tempo em que nós tivemos a natureza do Éden, antes da queda. E ele tem uma oração muito bonita, uma poesia para mim, referindo-se ao Espírito Santo: "Tarde vos amei, beleza tão antiga e tão nova. Tarde vos amei. É que estáveis dentro de mim e eu estava fora de mim". E eu li isso várias e várias vezes, e cada vez era maravilhoso, sublime, que é quando a gente se encontra com a natureza daquilo que a gente é. Então, eu gosto muito dele, e gosto muito das coisas de [G.K.] Chesterton e do Philip Yancey, que passou a ser para mim uma leitura muito edificante. E, claro, ler essas coisas "no original" é mais encantador: é na Bíblia…


A senhora já declarou que não faz parte da bancada evangélica. Existe bancada evangélica?
Existe uma articulação. Respeito as pessoas que procuram se organizar, enfim. Há a bancada da saúde, da educação. E tem a bancada evangélica. Mas acho que quando se trata da questão religiosa, a gente tem que procurar estar integrado ao todo, assumir a posição de sal. O sal, ao se cristalizar em si mesmo, não tem como se diluir e dar o sabor. Eu acho que é muito melhor essa diluição e se transformar em sabor. Essa é a minha percepção, sem nenhum demérito para os que assim se organizam e acham que essa é a melhor forma. Quando veio o convite para fazer parte da bancada evangélica, eu expliquei que achava que nós, os cristãos – católicos, evangélicos –, deveríamos atuar como parlamentares brasileiros do Congresso, sem precisar estarmos organizados como uma bancada, como se fosse uma coisa dos evangélicos trabalhando para o interesse dos evangélicos.


De que forma as igrejas podem contribuir para a conscientização e a participação políticas?
De muitas formas, inclusive com os valores que a gente gostaria de ver como reflexo de uma ação política justa, democrática, coerente, honesta. Isso tem que ser traduzido nas razões pelas quais se escolhe em quem votar. Às vezes a gente não faz essa ligação. E as pequenas coisas instituem aquelas que a gente tanto critica. As pessoas podem achar que é uma bênção comprometer o voto da igreja porque alguém promete dar as telhas para o templo… Será? Pois não é, não. Vai dar o púlpito para a igreja. Será?… Não significa que não se deva receber contribuições livres, de quem quer ajudar de forma liberal e feliz, com alegria. No entanto, isso não pode caracterizar nenhum tipo de troca, porque o voto é soberano. É preciso ter essa consciência de que não devemos corromper e nem ser corrompidos no nosso voto.


É errado usar a religião para obter voto?

Se for um uso de uma forma utilitarista, já é um erro em si. Se há alguma identidade programática, de visão, de propostas, aí são identificações legítimas que se expressam no mundo da política. O que você não pode, no meu entendimento, é ter uma relação utilitária e utilitarista com a igreja e transformá-la em palanque. É legítimo para as lideranças que tenham vocação política pleitear o voto. Pois você procurará receber apoio entre aqueles que conhece e dos quais você é conhecido. Assim é no sindicato, é em todos os espaços. O que nós não podemos é perder a dimensão de que na igreja teremos pessoas de todos os partidos, assim como pessoas que não têm partido, e de que aquele espaço ali deve estar à disposição para todas as pessoas. E uma posição tendenciosa faz com que as outras pessoas se afastem.


A senhora vê risco de se repetirem, no Brasil, os mesmos erros que a Igreja cometeu ao longo da história?
É preciso ter muito cuidado. Se a história só se repete como tragédia ou como comédia, por que iremos querer repeti-la? O que aconteceu historicamente no mundo inteiro não pode ser motivo de riso. Então não pode ser comédia. É algo muito grave e que nos ensinou a todos. Temos que perseguir o olhar do Mestre. Ele soube muito bem separar as coisas e não usar seu poder para transformar pedras em pão. Ele soube muito bem usar o poder da igreja, o poder da fé, no momento certo, na hora certa, não teve nenhuma ansiedade em transformar pedras em pão, para deixar bem claro que nós, cristãos, vivemos mais de verbo do que de pão.




Obs.: Veja também este post sobre:  "política e evangélicos". Tire suas dúvidas, faça suas conclusões, e acima de tudo, seja muito consciente ao votar!!!!


Luiz Brito.


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